Papa Francisco vai distribuir ‘salvo-condutos ao céu’ em 2025.
Polêmica medieval.
Respeitando a fé alheia,
mas não concordando.
A concessão de perdão sem
passar pela cruz de Cristo é impossível.
Jubileu.
יובל yowbel ou יבל yobel; carneiro, chifre de
carneiro, trombeta, corneta; Ano do jubileu (marcado pelo sopro das trombetas)
(meton.)
Papa Francisco no Jubileu
de 2015
A volta da tradição
católica que promete perdão dos pecados ao atravessar porta de igreja.
Jubileus ordinários
ocorrem a cada 25 anos. E extraordinários podem ser convocados a qualquer
momento, por decisão do papa. Francisco, por exemplo, instituiu um em 2015,
para comemorar o 50º aniversário do fim do Concílio Vaticano 2º, que modernizou
a Igreja.
Só Jesus pode perdoar
pecados.
Mas, fiéis da ICAR
acreditam mais no seu líder que nas Escrituras Sagradas?
Lutero lutou contra a
capacidade papal em perdoar pecados.
Na realidade Lutero lutou
não somente pela venda das indulgências, mas para mostrar que o Papa ou outra
pessoa não tem poder de perdoar ou elevar ninguém aos céus perdoado.
Marcos 2:7 — “Como ele se atreve a falar assim? Isto é blasfêmia! Quem pode perdoar pecados, a não ser um, que é Deus? 8 E Jesus, percebendo imediatamente em seu espírito que eles assim pensavam, disse-lhes: — Por que vocês estão pensando essas coisas em seu coração? 9 O que é mais fácil? Dizer ao paralítico: “Os seus pecados estão perdoados”, ou dizer: “Levante-se, tome o seu leito e ande”? 10 Mas isto é para que vocês saibam que o Filho do Homem tem autoridade sobre a terra para perdoar pecados. E disse ao paralítico: 11 — Eu digo a você: Levante-se, pegue o seu leito e vá para casa.”
Gravura feita por volta de 1530 mostra a venda de indulgências
Por definição, indulgência
significa disposição para perdoar culpas ou erros. É sinônimo de benevolência,
clemência e complacência.
A questão das indulgências
se tornou uma polêmica na Idade Média, culminando com a reforma protestante no
início do século 16 porque, na época, a Igreja Católica vendia o benefício como
se estivesse loteando terrenos no céu.
Papa vai inaugurar o Jubileu 2025, um ano especial para os católicos em que as chamadas indulgências poderão ser recebidas.Edison Veiga Role,De Bled (Eslovênia) para a BBC News Brasil
Na noite da próxima terça
(24), quando o papa Francisco abrir a chamada porta santa da basílica de São
Pedro, no Vaticano, estará oficialmente inaugurado o Jubileu 2025, um ano
especial para os católicos em que as chamadas indulgências poderão ser recebidas.
A esta altura é possível
que você tenha se lembrado das aulas de história na escola, mais
especificamente daquela parte em que se estuda a reforma protestante e toda a
questão encabeçada pelo monge Martinho Lutero (1483-1546) contra a venda das
indulgências. A crítica, naquela época, era que a Igreja estava comercializando
vagas no céu.
De forma simplificada,
indulgência é mais ou menos isso mesmo. A diferença é que, agora, ninguém está
vendendo nada. “A indulgência é uma prática relacionada ao perdão dos pecados”,
diz à BBC News Brasil o sociólogo Francisco Borba Ribeiro Neto, ex-coordenador
do Núcleo Fé e Cultura da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(PUC-SP) e editor do jornal O São Paulo, da Arquidiocese de São Paulo.
Na crença católica, se o perdão dos pecados é recebido com o sacramento da confissão — que pode ser repetido quantas vezes o fiel desejar —, a culpa ou a dívida só é completamente paga depois de um período de purificação póstumo.
"A indulgência é uma graça da Igreja que nos ajuda a apagar a pena temporal dos pecados já confessados. “O dom da Indulgência permite-nos descobrir como é ilimitada a misericórdia de Deus”, recorda o Santo Padre."
A indulgência é uma
maneira de garantir esse benefício divino em vida — ou seja, um salvo-conduto
para o paraíso. “Na realidade existe um pagamento da pena ligada ao pecado
cometido”, explica à BBC News Brasil a vaticanista e historiadora do
catolicismo Mirticeli Medeiros, pesquisadora na Pontifícia Universidade
Gregoriana, em Roma.
“Por exemplo: na confissão com um sacerdote a pessoa tem o pecado perdoado mas, principalmente em relação aos pecados mortais, existe uma dívida que fica. Esta, caso não exista a intervenção de uma indulgência plenária, será reparada somente no purgatório”, esclarece ela.
Doutrina do Purgatório.
Hebreus 9:27: “E, como aos homens está
ordenado morrerem uma vez, vindo depois disso o juízo”.
Não há espaço para purgar
pecados.
Romanos 14:12: “De maneira que cada um
de nós dará conta de si mesmo a Deus”.
Eclesiastes 11:9-10: “Você vai ter de prestar
contas a Deus de tudo o que fez”.
Antes do céu, uma escala
no purgatório
“Quando há o pecado,
esse pecado pode ser absolvido da reconciliação, na confissão. Isso coloca a
pessoa no que a Igreja chama de estado de graça”, explica à BBC News Brasil
o vaticanista Filipe Domingues, diretor do Lay Centre, em Roma, e professor na
Pontifícia Universidade Gregoriana, também em Roma.
“Já a indulgência se
refere à culpa, que é uma coisa um pouco mais abstrata. O pecado deixa uma
marca no espírito e isso, de alguma forma, teria de ser purificado na
eternidade. Aí entra aquela ideia meio medieval e um pouco alegórica do que é o
inferno, o purgatório e o céu”, comenta ele.
Dessa forma, seria preciso
“uma purificação antes da elevação completa junto a Deus”, pontua Domingues.
“Com as indulgências, a Igreja permite que a purificação seja feita na Terra. É
uma limpeza da alma mais profunda que permitiria que a alma, se morrer logo
depois, vá para o céu imediatamente.”
O vaticanista contudo
entende que essa é uma “visão um pouco instrumental” dos recursos — e que hoje
se pode interpretar tudo isso de forma mais ampla, pensando no desenvolvimento
da fé e da piedade de cada um e em gestos que impliquem em fazer o bem. “O que
a Igreja faz é criar instrumentos para que haja esse processo de purificação,
esse caminho”, ressalta. “Para ampliar a possibilidade de que todos cheguem a
essa libertação eterna que é viver no Reino dos Céus.”
Segundo a doutrina
consolidada no Catecismo da Igreja Católica, atualmente o purgatório não é
entendido como um lugar, mas como o “estado dos que morrem na amizade de
Deus, com a certeza de sua salvação eterna, mas que ainda têm necessidade de
purificação para entrar na felicidade do céu”.
O catecismo diz que há
maneiras terrenas de ajudar nesse processo. Vivos podem fazer orações e
realizar boas ações em memória dos que morreram. E as indulgências também estão
elencadas como uma dessas ferramentas.
Reparação instantânea da
culpa
Para aqueles que creem, os
declarados anos de Jubileu são oportunidades raras dessa remoção instantânea da
culpa. “A indulgência é uma manifestação concreta da misericórdia de Deus, que
transcende os limites da justiça humana e as transforma”, diz comunicado do
Vaticano sobre o evento de 2025.
“A indulgência permite
libertar o coração do fardo do pecado, para que a reparação devida possa ser
dada em total liberdade.”
“Concretamente, essa
experiência de misericórdia passa por algumas ações espirituais que são
indicadas pelo papa”, resume o texto.
Em documento publicado em
maio pela Penitenciária Apostólica do Vaticano foram detalhadas as normas para
se alcançar a indulgência durante o Jubileu de 2025.
A condição preliminar para
obtê-la é estar “verdadeiramente arrependido, excluindo qualquer apego ao
pecado” e “movido por um espírito de qualidade”, “purificado pelo sacramento da
penitência”, participando da eucaristia e dedicando constantemente orações ao
papa.
O documento esclarece que
o “tesouro” da “pleníssima indulgência”, com “remissão e perdão dos pecados”
pode valer tanto para aquele que cumprir as exigências como para “as almas do
purgatório sob a forma de sufrágio”.
Cumpridas essas premissas,
o fiel precisa realizar ao menos uma das três tarefas ao longo do ano de 2025:
participar de uma “sagrada peregrinação” — e o documento prevê que esta pode
ser a Roma, à Terra Santa ou a outras “circunscrições eclesiásticas” designadas
por bispos levando “em conta as necessidades dos fiéis”; visitar, de forma
piedosa, lugares sagrados; realizar “obras de misericórdia e penitência” — que
vão desde participação em encontros de formação a ações concretas como “dar de
comer aos famintos” ou “visitar os presos”, entre outras.
Polêmica medieval
Por definição, indulgência
significa disposição para perdoar culpas ou erros. É sinônimo de benevolência,
clemência e complacência.
A questão das indulgências
se tornou uma polêmica na Idade Média, culminando com a reforma protestante no
início do século 16 porque, na época, a Igreja Católica vendia o benefício como
se estivesse loteando terrenos no céu.
“[Isso] criou uma visão
distorcida da prática [das indulgências]”, comenta Ribeiro Neto.
Como já disse,
anteriormente, Lutero com base nas Escrituras e na Graça não era tão somente
contra a venda, mas contra a impossibilidade humana de conceder perdão por um
decreto humano.
Efésios 2:8-10, que diz:
“Porque pela graça sois salvos, por meio da fé;
e isto não vem de vós; é dom de Deus. Não vem das obras, para que ninguém
se glorie”.
A historiadora Medeiros
diz que “na época, era pedido aos fiéis grandes somas para adquirir” essa
purificação em vida. Essas cobranças foram especialmente praxe, conta ela,
quando a Igreja estava precisando arrecadar fundos para terminar a construção
da atual basílica de São Pedro, inaugurada em 1626.
“O tema é espinhoso e já
passou por inúmeras transformações na história da Igreja, gerando certa
polêmica até hoje”, comenta à BBC News Brasil o historiador e teólogo Gerson
Leite de Moraes, professor na Universidade Presbiteriana Mackenzie.
No Concílio de Trento, série de reuniões da cúpula do catolicismo ocorridas entre 1545 e 1563 para combater a reforma protestante, o tema esteve em discussão. “O concílio afirmou que deriva de Cristo a concessão das indulgências e que a Igreja Católica teria autoridade para concedê-las”, conta Moraes. “É bem verdade que o mesmo concílio reconheceu os abusos que vinham ocorrendo com a venda de indulgências e proibiu lucros resultantes dessa concessão.”
Historicamente, àquela
altura a questão havia “ido muito longe” no seio do catolicismo, conforme
explica o professor, “com uso indevido daquilo que deveria ser usado com
parcimônia”. “Havia um abuso e a Igreja Católica fez seus revisionismos,
reconhecendo alguns excessos e continuando a prática sem aquela carga negativa
que acompanhou a cisão da cristandade no século 16”, conclui o teólogo.
O valor da Indulgência
“Para que a indulgência
tenha valor, ela precisa ser acompanhada por gestos que demonstrem o
arrependimento e a real conversão do pecador”, contextualiza Ribeiro Neto. “Ela
não é válida sem a confissão sacramental e alguns gestos precisos estabelecidos
com esta finalidade. Doar dinheiro para obras de caridade da Igreja era,
tradicionalmente, um dos principais gestos que permitiam ganhar a indulgência.”
Note que era através da
compra com caridade monetária ou outras benesses como se lê abaixo.
Turismo religioso à Roma, gerando
recursos ao Vaticano.
“Contudo, pelos desvios
óbvios que esta prática comportava, foi sendo abandonada”, conta o sociólogo.
“Importante notar que aquele que ‘comprava’ a indulgência sem se arrepender e
procurar ter um comportamento melhor pagava mas não levava, pois não cumpria a
condição maior que era o arrependimento sincero.”
A “reforma agrária” dos
hebreus
Segundo informações do
Vaticano, o Jubileu 2025 será o 28º da história do catolicismo. A ideia de um
ano especial para que os fiéis visitassem as igrejas de Roma e reforçassem seus
laços de fé surgiu por bula publicada pelo papa Bonifácio 8º (1235-1303) em
1300.
Ele dizia que os romanos
que visitassem as basílicas de São Pedro de São Paulo pelo menos 30 vezes
naquele ano iriam receber a indulgência. Para os cidadãos de fora da
cidade, bastavam 15 visitas.
A medida acabou criando
uma espécie de turismo religioso — segundo dados do Vaticano, pelos
menos 2 milhões de católicos foram a Roma em 1300, motivados pela promessa do
salvo-conduto para o céu. Sabe-se que o pintor Giotto di Bondone (1267-1337),
comissionado para pintar afrescos em igrejas de Roma, foi um deles. Acredita-se
também que o escritor Dante Alighieri (1265-1321) também tenha participado
desse primeiro Jubileu.
“Naquele período
específico da Idade Média existia, sobretudo entre as camadas populares, o
desejo de viver uma vida de reparação, de mudança de vida, de recálculo de
rota”, afirma Medeiros. “Esse pensar na morte constantemente, quando muita
gente morria de doenças infecciosas, levou uma multidão a iniciar uma
peregrinação a Roma para expiar os próprios pecados.”
A ideia de Bonifácio era
que o evento se repetisse a cada 100 anos. Contudo, a segunda edição acabaria
ocorrendo em 1350 — o papa Clemente VI (1291-1352) reduziu o intervalo para 50
anos.
Atualmente, Jubileus
ordinários ocorrem a cada 25 anos. E extraordinários podem ser convocados a
qualquer momento, por decisão do papa. Francisco, por exemplo, instituiu um em
2015, para comemorar o 50º aniversário do fim do Concílio Vaticano 2º, que modernizou
a Igreja.
“[O evento] é considerado
ano santo para o católico porque segundo a tradição, é um período em que há a
possibilidade de receber algumas bençãos especiais e há um esforço maior para
chegar às pessoas e levar a elas os sacramentos”, diz o vaticanista Domingues.
“Também oferece mais oportunidades de remissão de pecados e reconciliação e
penitência.”
“Vive-se [nesses anos] a
ideia de oração, de louvor, de agradecimento e de conversão”, explica ele.
Ribeiro Neto diz que
existe “uma dimensão cósmica, de reconciliação e harmonia entre o ser humano
e toda a realidade que o circunda”. “O Jubileu seria o tempo em que o
coração humano pode se apaziguar e viver aquela paz que tanto procuramos e
poucas vezes encontramos, por exemplo nas férias em um lugar paradisíaco”,
compara. “Dou este exemplo para sublinhar que o Jubileu não é um preceito
criado por uma religião muito normativa, mas uma resposta religiosa a uma
necessidade profundamente humana que encontramos em todos nós.”
Mas as raízes do Jubileu
estão no Antigo Testamento, portanto na ancestral sociedade judaica. Segundo o
Vaticano, “entre os antigos hebreus, o Jubileu, chamado de ano do ‘yobel’,
‘da cabra’, porque a festa foi anunciada pelo som de um corno de cabra, era um
ano declarado santo.”
“Nesse período, a lei de
Moisés prescrevia que a terra, da qual Deus era o único dono, regressasse ao
antigo proprietário e os escravos readquirissem a liberdade. Geralmente ocorria
a cada 50 anos”, diz o comunicado da Igreja.
Essa norma aparece no
livro do Levítico, o terceiro da Bíblia judaica, que provavelmente foi escrito
entre os séculos 7 e 5 a.C. e está cheio de instruções e práticas rituais,
morais e legais daquela sociedade.
Quando o papa Bonifácio 8º
criou o Jubileu católico, de qualquer forma, ele mirou nesses ideais
ancestrais. De forma simbólica. “Era uma referência: criar uma grande
celebração de grande relevância espiritual contínua e com uma ideia de
justiça”, resume Moraes. 19 julho 2024
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